No dia 6 de janeiro de 1995, dois ladrões invadiram um banco em Pittsburgh, nos Estados Unidos. O assalto aconteceu em plena luz do dia, mas os criminosos não usaram máscaras nem qualquer tipo de disfarce. Ao invés disso, para não serem identificados pelas câmeras de segurança, eles apostaram numa técnica bem inusitada.
Os dois bandidos. . .
Como é que eu vou dizer isso agora? Eles esfregaram limonada no rosto. É isso.
É literalmente isso. Eles passaram suco de limão na própria cara, acreditando que se tornaria impossível a identificação da imagem deles no circuito interno do banco. Isso porque antigamente o limão era utilizado como uma espécie de tinta invisível em cartas escritas à mão.
E aí um dos assaltantes teve essa ideia brilhante. Ele fez um teste usando uma câmera polaroide e de fato ele não conseguiu se ver. Mas isso provavelmente aconteceu porque a câmera estava com defeito ou porque ele apontou a lente na direção errada.
Acontece que os assaltantes eram tão autoconfiantes na própria inteligência que eles sequer desconfiaram que aquela ideia genial podia dar errado. Mas obviamente, deu errado. Eles foram presos pouco tempo depois.
Mas a estupidez deles não foi em vão. No fim das contas, o caso serviu para chamar a atenção do professor de psicologia social da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, David Dunning. Ao ler uma notícia sobre esse assalto, Dunning percebeu que os bandidos eram não apenas estúpidos para roubar um banco daquela forma, mas também estúpidos o suficiente para não se darem conta da própria estupidez.
Ou seja, ele teve um estalo e se deu conta de que quando uma pessoa é muito ignorante, ela é ignorante inclusive sobre o fato de ser ignorante. E a partir desse insight, o professor Dunning convidou seu aluno Justin Kruger para fazer uma pesquisa em conjunto. A ideia era entender até que ponto a falta de inteligência de uma pessoa impede que ela descubra, para não falar de outro jeito, que ela é boa.
E o estudo publicado em 1999 chegou à seguinte conclusão. Quando pessoas são incompetentes nas estratégias que elas adotam para alcançar o sucesso, elas sofrem de um fardo duplo. Elas não apenas chegam a conclusões erradas ou fazem escolhas ruins, mas essa incompetência também tira delas a habilidade de perceber isso.
Elas ficam com a impressão errada de que estão fazendo a coisa certa. E em homenagem aos dois pesquisadores, esse fenômeno ganhou o nome de Efeito Dunning-Kruger, que vocês provavelmente já ouviram falar. E em resumo, a ideia desse efeito é que a estupidez acaba cegando as pessoas estúpidas a ponto de elas acreditarem que são inteligentes.
Curiosamente, mais de um século antes desse efeito ser descrito, o biólogo Charles Darwin já havia escrito uma frase que traduz bem essa ideia. A ignorância gera confiança com mais frequência do que o conhecimento. E é bem por aí mesmo.
Existe inclusive um gráfico que ajuda a gente a entender como que esse efeito afeta a nossa aprendizagem. Só antes de mostrar o gráfico, se você for mesmo uma pessoa inteligente, você está sempre em busca de novos conhecimentos. Esse vídeo foi feito em parceria com a Alura, que inclusive eu recentemente fiz um curso para melhorar as respostas que o chat GPT me dá e eu recomendo demais.
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E agora, de volta ao vídeo. Agora sim. Eu quero que vocês olhem esse gráfico que explica como funciona o efeito Dunning-Kruger.
O eixo horizontal representa o quanto a gente realmente sabe sobre um determinado assunto. Já o eixo vertical é a nossa confiança, ou o quanto a gente acha que sabe sobre um determinado assunto. Eu quero que vocês observem que, no início, a gente não sabe de nada.
E por isso a nossa percepção é exatamente essa, a de que a gente não faz ideia sobre aquele assunto. Mas assim que a gente começa a aprender alguma coisa, a gente passa a ter uma percepção acelerada de que agora a gente já entende tudo sobre aquele tema. De um jeito extremamente rápido, parece que o nosso cérebro faz puff e a gente pensa, agora eu sou um gênio, eu já entendi como isso aqui funciona.
Até que em seguida a gente começa a se aprofundar cada vez mais sobre determinado assunto. Então a gente passa a perceber que, hum, talvez as coisas sejam um pouco mais complicadas do que eu estava pensando inicialmente. E aí a nossa confiança desaba.
A gente começa a se sentir ignorante. Mas é porque agora sim a nossa mente realmente está se escondendo. A gente está começando a ver que as coisas são bem mais complexas do que elas pareciam em um primeiro momento.
Até que chega em um ponto em que a gente se sente um completo ignorante, com a impressão de que a gente não sabe nada sobre um tema. É o momento em que a nossa única certeza passa a ser sobre a nossa própria ignorância. É a fase do só sei que nada sei.
Aliás, vocês sabem quem que disse essa frase? Eu também não sei. Ela costuma ser atribuída ao filósofo Sócrates, mas não existe muita certeza disso, porque ela não é encontrada de maneira direta em nenhum texto do grego antigo.
Mas enfim, seja como for, esse é o ponto de virada. E é aqui que muita gente desiste ao tentar aprender sobre um determinado assunto. A percepção da nossa própria ignorância pode fazer a gente querer deixar tudo pra lá, mas é preciso continuar se esforçando, continuar estudando e seguir o ensinamento de um outro grande filósofo, o E.
T. Bilu. Mais especificamente quando ele nos diz, busquem conhecimento.
Isso realmente é importante. Ok, a fonte não vale, mas a frase é realmente importante. Afinal, a busca contínua por conhecimento é o que faz com que as coisas finalmente entrem no eixo.
Conforme a gente continua estudando, o nosso conhecimento segue aumentando, mas agora de uma maneira constante e natural. Vejam que a linha volta a subir no gráfico, só que de um jeito mais suave, indicando que a nossa confiança está crescendo de uma forma proporcional ao conhecimento, que está de fato sendo adquirido. E é aqui que tudo volta a fazer sentido, e a gente realmente aprende de verdade.
E para comprovar a existência desse efeito, os pesquisadores fizeram uma série de testes. Em um deles, um grupo de voluntários respondeu a uma série de perguntas sobre lógica e gramática. Em seguida, os pesquisadores pediram para que eles fizessem uma avaliação do próprio desempenho.
E o resultado chamou a atenção. Os entrevistados que acertaram mais perguntas subestimaram o próprio desempenho. Enquanto isso, aqueles que erraram mais perguntas acreditavam que tinham mandado super bem.
Os pesquisadores, então, repetiram os testes em diferentes contextos. Foram feitos experimentos com atletas, enxadristas e até humoristas. E, de maneira geral, o resultado foi sempre o mesmo.
Quanto pior o desempenho de uma pessoa numa tarefa, maior a autoestima dela. Você quer um exemplo bem prático disso no seu cotidiano? Se você tiver carteira de motorista, me diz o seguinte.
Você se considera um bom motorista? Um estudo americano mostrou que 80% das pessoas acreditam que tem um talento acima da média na direção. E essa conta obviamente não fecha.
Não tem como 8 a cada 10 pessoas estarem acima da média. Tem muito barbeiro se achando piloto por aí. E isso explica muita coisa.
E é por isso que o efeito Dunning-Kruger pode revelar um perigo real no cotidiano. E pra entender isso, vamos voltar praquele gráfico. E é ali no ponto mais alto que um piloto de moto recém-habilitado, por exemplo, pode achar que consegue fazer manobras super arriscadas.
Ou que um médico recém-formado pode cometer um erro numa cirurgia, ou que um investidor inexperiente pode pensar que entende tudo no mercado financeiro e perder uma fortuna numa escolha mal calculada. E é também por viver eternamente nesse ponto do gráfico que muita gente lê alguns textos em aplicativos de mensagem e já se acham especialistas em assuntos extremamente técnicos, como por exemplo vacinação. Ou então que alguém que acredita que a Terra é plana jura que consegue provar suas teorias usando, sei lá, uma régua em um copo d'água.
São sempre as coisas mais estranhas. São pessoas que se deixam levar pela própria autoestima e acreditam que o seu conhecimento ainda superficial já é o suficiente para entender tudo sobre temas extremamente complexos. Por isso, quando alguém está nesse ponto da curva de aprendizado, é preciso entender uma coisa.
Até um estúpido é um inteligente em potencial, mas ele precisa reconhecer a própria ignorância e ir atrás do verdadeiro entendimento sobre os assuntos. É isso que diferencia quem vive na zona de conforto da falta de conhecimento daqueles que ousam se desafiar em busca da compreensão real do mundo que nos cerca. E ao fazer isso a gente avança no gráfico.
E aí então se torna necessário tomar cuidado com o ponto mais baixo dele, quando a nossa confiança está lá no fundo. A gente também não pode ficar travado nesse ponto achando que nós não somos capazes de entender nada. É bem aqui que mora a famosa síndrome do impostor.
É aquela ideia de auto sabotagem que faz a gente achar que não está preparado para nenhum desafio, que todo mundo é mais inteligente e que é melhor abrir mão de certas oportunidades, até mesmo renunciar uma carreira promissora por não acreditar no próprio potencial. Olha pra mim. Para com isso!
Você é uma máquina de vencer! Eu acredito em você! Isso eu sou meio coach, né?
Já sei o que fazer um dia. Eu preciso dizer que eu já passei por isso, não faz nem muito tempo. Todo mundo está sujeito a ficar nesse ciclo em algum momento da vida.
E quando a gente supera essa fase, aí sim o nosso conhecimento e a nossa confiança passam a caminhar de mãos dadas. E isso é maravilhoso, mas ainda assim também precisamos tomar alguns cuidados. Quando a gente passa a saber muita coisa sobre um determinado assunto, esse conhecimento se torna extremamente natural.
A gente nem se dá conta de que aquilo pode ser complexo para outras pessoas. Mas é preciso ter em mente que nem todo mundo ao nosso redor tem o mesmo nível de entendimento sobre tudo. Por isso é muito comum que as pessoas com inteligência acima da média tenham dificuldade de se comunicar.
Elas não se fazem entender porque elas não percebem que a maioria das pessoas está alguns degraus abaixo na escala do aprendizado. E essa dificuldade para conseguir se expressar não é o único problema que afeta quem é muito inteligente. Pessoas superdotadas muitas vezes não têm acesso a escolas ou universidades adequadas ao nível delas, e aí elas acabam deixando desenvolver o próprio talento por falta de estrutura.
Outras sofrem bullying e acabam sendo excluídas dos grupos de amigos. E muitas vezes elas ainda carregam um fardo pesado por causa das expectativas de outras pessoas, que colocam nos ombros delas uma pressão enorme e constante para saberem de tudo o tempo todo. E como consequência disso tudo, quem é muito inteligente tem mais chances de desenvolver transtornos psicológicos, como desordens de humor, déficit de atenção e crises de ansiedade.
Um estudo feito com integrantes da American Mensa, que é uma sociedade que reúne as pessoas com o QI mais alto dos Estados Unidos, mostrou que esses problemas são 200% mais frequentes entre as pessoas que fazem parte desse clube de gênesis. Isso poderia parecer um desestímulo à busca pelo conhecimento, e fazer muita gente pensar que a ignorância é uma bênção. Mas isso não é o caso.
A inteligência traz muitas outras vantagens. Ter conhecimento nos permite tomar decisões mais acertadas na vida, garante um melhor julgamento das situações que aparecem no nosso caminho, faz com que a gente saiba se adaptar melhor às dificuldades, e nos torna pessoas muito mais interessantes para se conviver. Nada melhor do que conversar com alguém que expande nossos horizontes e puxa a gente pra cima.
Mesmo que não seja na nossa área. Inclusive melhor ainda se não for. E por isso o importante é estar sempre em busca de mais cultura e mais aprendizado.
Mas tendo em mente que ninguém precisa entender sobre tudo o tempo todo. É fundamental aceitar que o mundo é mesmo complexo. Muito mais complexo do que a gente é capaz de dizer.
E isso não é só uma forma de me expressar. O ser humano realmente não tem a capacidade de escrever o próprio conhecimento a respeito da realidade em que ele vive. E essa constatação, inclusive, tem um nome.
É o paradoxo de Polanyi. O nome se refere ao filósofo húngaro-britânico Michael Polanyi, que criou essa teoria nos anos 1960. E de maneira simplificada, a ideia desse paradoxo é que a gente sabe mais do que a gente é capaz de dizer.
Isso significa que existe uma parcela do nosso conhecimento que é tácita, ou seja, ela não pode ser expressa em palavras. É tipo quando uma professora fazia uma pergunta na escola e você dizia, eu sei o que é, mas eu não sei explicar. Parabéns, você era uma criança e já estava resumindo perfeitamente o paradoxo de Polanyi.
Desde uma ideia que parece surgir do nada até a esfolha de um movimento no xadrez, a nossa mente nem sempre cabe nas nossas palavras. Mas como é possível que o ser humano não seja capaz de definir o que ele mesmo criou? Ou seja, como que pode um mundo desenvolvido por nós mesmos não se encaixar à nossa própria compreensão?
Um dos principais motivos para que a humanidade tenha chegado a esse ponto é que hoje em dia, basicamente, todo o nosso conhecimento é coletivo. As nossas relações são de total interdependência. A globalização tornou pessoas e países inteiros dependentes uns dos outros.
Tudo está conectado. Nenhum ser humano é uma ilha. Nenhum país é uma ilha.
Tá, alguns são, mas você entendeu a ideia. O que eu quero dizer é que o mundo só funciona dentro dessa teia que nós mesmos desenvolvemos. E se tornou impossível se dissociar dessa cadeia que conecta a todos nós.
Em outras palavras, ninguém sabe fazer um lápis. Esse pensamento partiu do economista Leonard Read. Ele diz que nenhuma pessoa no mundo é capaz, sozinha, de fazer um lápis.
A produção de um objeto tão comum no nosso dia a dia exige uma série de recursos e de conhecimentos que vão além do alcance até da pessoa mais inteligente e mais preparada de todas. Desde o plantio da árvore até a derrubada da madeira, da extração do minério ao corte preciso do grafite, tudo hoje em dia depende de mais alguém. E isso fica ainda mais escancarado quando a gente pensa em tecnologias mais complexas.
Se ninguém sabe fazer um lápis, imagine como uma pessoa sozinha seria capaz de montar um computador ou construir um avião do zero. E isso tudo faz com que a organização e o entendimento do nosso próprio mundo fujam totalmente do nosso alcance. E essa constatação não é apenas uma mera curiosidade.
Em última análise, o paradoxo de Polanyi pode ser o maior inimigo para o desenvolvimento da inteligência artificial. Afinal, como é que a gente pode ensinar uma máquina a fazer algo que a gente não sabe ensinar, só fazer? Como por exemplo, programar um computador para executar atividades subjetivas ou criativas que nós mesmos não conseguimos decifrar.
Por que um músico compõe uma determinada música usando um acorde e não outro? Por que um poeta escreve um verso usando uma palavra e não outra que também rima? Por que um artista pinta um quadro usando uma cor e não outra?
Se um dia a gente for capaz de decifrar todas as infinitas decisões que a nossa mente toma a cada instante, talvez nós sejamos também capazes de transportar todo o nosso conhecimento para o cérebro eletrônico. Mas enquanto isso não acontece, e é provável que nunca aconteça, será que as nossas limitações como ser humano vão impedir o avanço da tecnologia? Será que a nossa ignorância natural vai ser o grande obstáculo da inteligência artificial?
Essas são perguntas difíceis, justamente porque o mundo está além da nossa compreensão. E se a gente não sabe as respostas para elas, não tem problema. Afinal, lembram do efeito Dunning-Kruger?
Quem acha que sabe tudo tende a estar inebriado pela própria ignorância. Reconhecer que a gente não sabe é o primeiro sinal de que nós estamos, de fato, no caminho do aprendizado. E por isso, vamos continuar aprendendo.
A vida toda. Todo dia. Muito obrigado e até a próxima.
Muito obrigado e até a próxima!