Se uma ÁRVORE cai em uma floresta, ela faz BARULHO?

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Ciência Todo Dia
Se uma árvore cai na floresta e não tem ninguém para ouvir, ela faz barulho? Essa pergunta parece si...
Video Transcript:
Se uma árvore cai na floresta e ninguém está perto para ouvir, ela faz barulho? Em uma floresta escura, no meio de uma ventania, uma árvore cai e não tem ninguém por perto para escutar, nem um único ser vivo. A pergunta que eu faço é, essa árvore fez barulho ao cair?
Tenta responder aqui nos comentários e a gente continua o vídeo. A resposta óbvia para algumas pessoas é que, claro que sim, ninguém precisa estar lá para que a árvore e o som existam. É como se o som tivesse uma existência independente de nós, ou de criaturas capazes de escutar.
O som seria real na medida em que ele existe fora da nossa mente ou das nossas percepções. Nesse caso, essa seria uma resposta realista para a minha pergunta. Agora imagine um cenário parecido, só que onde toda a vida na Terra foi extinta para sempre, exceto as árvores.
Elas ainda fazem barulho ao cair? O que está em jogo aqui é a definição de som. Esse é o primeiro passo para responder essa pergunta.
Se você procurar no dicionário ou jogar no Google, nós encontramos duas definições. A primeira diz que o som é tudo aquilo que é captado pelo sentido da audição. Nessa definição, a árvore não teria feito barulho ao cair.
Já a segunda definição, que é usada na física, é um pouco mais específica. O som seria a vibração que se propaga em um meio material com uma frequência entre 20 e 20 mil hertz, capaz de ser percebida pelo ouvido humano. E aqui, de todas as vibrações existentes, apenas uma pequena faixa delas é caracterizada como som, o que pode ser questionado de várias formas.
Em todo caso, ambas as definições relativizam o som à nossa existência, ainda que a definição física não exija que o som seja de fato escutado, apenas que seja capaz de ser percebido. Mas, é claro, definições de dicionário nem sempre são suficientes quando nós fazemos uma pergunta filosófica. Existem dois principais caminhos para responder a minha pergunta.
Realismo ou antirealismo. Porém, não existe uma resposta correta ou consensual. Apesar do caminho mais natural para a maioria das pessoas ser o realismo.
E é por isso que hoje eu vou te dar razões para ser um pouco menos realista sobre as coisas. Vamos voltar para as definições de som. As nossas principais opções são.
A primeira diz que o som é apenas a vibração do ar que foi provocada pela árvore quando ela atingiu o chão. Nesse caso, a árvore de fato fez barulho e sempre fará. E aqui nós temos um realismo ontológico, ou seja, o mundo existe mesmo que não haja nada para percebê-lo.
Se um dia toda a humanidade for extinta para sempre e uma árvore cair, ela ainda vai fazer barulho. A segunda diz que o som é apenas uma vibração do ar que faz com que ondas sonoras atinjam os nossos tímpanos, que por sua vez atingem células receptoras do som, que serão eventualmente processadas pelo nosso cérebro. Nesse caso, a árvore não fez barulho ao cair, porque nenhum tímpano foi atingido.
Nós podemos pensar também em como essa definição se aplica no caso de deficientes auditivos que percebem o som, ou pelo menos a vibração originária do som por meio de outros sentidos. E a terceira opção é de que o som é a percepção e construção mental que nós fazemos de vibrações que chegam ao nosso ouvido. Nessa opção, a definição de som é completamente relativizada às nossas percepções.
E, claro, a árvore não faria barulho se caísse numa floresta vazia. E é aqui que entra George Berkeley, um filósofo irlandês do século XVII que defendeu o idealismo subjetivista, que é uma forma de antirrealismo que diz que a realidade do mundo e dos seus objetos só existem na medida em que são percebidos por nós. Eles são construções mentais.
O slogan da filosofia dele é "ser é ser percebido", o que significa que as coisas que existem são apenas aquelas que são percebidas. E isso faz com que a resposta de Berkeley seja muito estranha. Ele diria que não só a árvore não faria barulho ao cair, como também ela nem mesmo existiria, já que não teria ninguém para percebê-la.
Sim, isso soa absurdo e por isso a resposta dele vem acompanhada de um pequeno detalhe. Ele diz que sempre há alguém para observar o mundo, uma mente superior que seria um Deus capaz de perceber tudo em todo lugar ao mesmo tempo. Para Berkeley, essa foi a saída perfeita, porque ele além de filósofo era um bispo.
Talvez a resposta dele não seja suficiente, mas a ideia de que o mundo é afetado pela nossa observação e a forma como o percebemos ainda faz sentido. Um dos casos fascinantes sobre isso é o efeito McGurk, que é uma ilusão sonora que nos mostra como a nossa percepção de sons é afetada pela nossa visão, pelo contexto em que o som está inserido e também pelo nosso conhecimento prévio. Presta atenção na tela agora, olha pra mim, e no som que eu vou fazer.
(Pedro faz sons com a boca) Parece que eu tô falando VÁ, mas na verdade eu estava falando BÁ. O que acontece é que o nosso cérebro usa o contexto visual pra fazer um truque que transforma a realidade, ou pelo menos a forma como percebemos. Mas antes que a realidade ao redor de você se desmanche completamente, eu só queria dizer que essas camisetas que eu uso nos vídeos estão em promoção.
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Ok, agora podemos voltar ao vídeo. Até aqui eu estava falando de realismo e antirealismo ontológicos, ou seja, sobre a natureza da realidade em si. Mas a discussão fica ainda mais interessante quando nós pensamos sobre como obtemos conhecimento dessa realidade e, em específico, como as teorias científicas fazem isso.
Se você acha que a ciência é verdadeira, ou pelo menos aproximadamente verdadeira, e que as teorias descrevem ou explicam a realidade como ela é, então você provavelmente aceita o realismo científico. A ideia central é de que as teorias científicas são verdadeiras e falam de objetos que existem, sejam eles observáveis ou não. Talvez você nunca tenha visto o planeta Netuno, mas você diria que ele existe, provavelmente.
Sei lá se já existe negacionismo de Netuno no mundo. Mas podemos observá-lo indiretamente num telescópio ou até prever a existência de planetas matematicamente antes mesmo de observá-los, como foi o caso de próprio Netuno. A descoberta de Netuno aconteceu porque astrônomos observaram perturbações na órbita de Urano que violavam a lei da gravitação universal de Newton.
O que poderia explicar esse problema seria um corpo de massa suficientemente grande para afetar a gravidade, que no caso é um planeta. Ok, então a ciência parece oferecer previsões e explicações muito boas sobre o que existe, e por isso muitas pessoas acreditam que as teorias científicas são completamente verdadeiras. Porém, essa percepção é historicamente e filosoficamente desinformada.
Quando falamos sobre verdade numa teoria, não está claro exatamente ao que nós estamos nos referindo. A ciência é a nossa fonte mais confiável de previsões e explicações. Ela funciona muito bem, sem sombra de dúvidas.
Mas isso não necessariamente significa que a ciência é absolutamente verdadeira e todas as suas teorias estão corretas. Se esse fosse o caso, as ou os cientistas estariam desempregados agora. Felizmente existem muitos problemas em aberto e a história é uma grande aliada para esclarecer como se dá o desenvolvimento científico.
Mas sabemos que as teorias científicas mudam ao longo do tempo. Leis são descobertas ou criadas e teorias são refutadas ou substituídas e novas teorias surgem. Nós temos uma lista enorme de teorias científicas que já não valem mais e são consideradas faltas hoje em dia.
Por exemplo, Lamarquismo na biologia, teoria do flogício na química, Éter na física, geocentrismo na cosmologia, miasma na medicina, entre tantas outras. Então, se nós formos um pouco pessimistas, nós podemos induzir que as teorias atuais também vão ser, ou ao menos podem ser, abandonadas no futuro. Mas se elas são verdadeiras, como isso é possível?
Essa é uma das objeções ao realismo científico, e o nome chique para esse argumento é meta-indução pessimista. E tem ainda uma outra forma de antirrealismo, que seria simplesmente dizer que as teorias científicas não são nem verdadeiras nem falsas, já que o objetivo da ciência não é explicar a realidade ou atingir a verdade, mas apenas oferecer um esquema linguístico que nos permite fazer as previsões que nos são úteis. E esse seria o instrumentalismo.
Ok, agora vamos voltar à pergunta inicial. Se uma árvore cai na floresta e ninguém está perto para ouvir, ela faz barulho? Talvez agora responder que sim já não seja mais tão óbvio.
Mas não temos como provar que a nossa existência, observação e percepção do mundo são irrelevantes. Na verdade, as coisas vão ficar ainda mais estranhas. Um dos experimentos mais famosos da mecânica quântica é o experimento da fenda dupla.
De forma rápida e geral, até porque ele já foi explicado em outros vídeos aqui no canal, a ideia é que elétrons ou qualquer outra entidade quântica são disparados através de uma placa com duas aberturas, duas fendas paralelas, até atingir uma superfície atrás dessa placa. Se uma das aberturas fosse coberta, então só haveria uma única abertura para os elétrons passarem, de forma que eles não iriam interferir um com o outro. O resultado, como esperado, é um simples feixe de elétrons que se comportam como partículas.
Nesse caso, a distribuição é similar se nós formos jogar grãos de areia por uma fenda. Vocês podem fazer o teste em casa, mas vai demorar um pouco. O próximo passo é disparar os elétrons através das duas aberturas, só que de forma bastante lenta.
A gente dispara um de cada vez. E o resultado disso é um padrão de interferência de onda, como se os elétrons tivessem se comportado e interagido da mesma forma que ondas. Mas isso é inesperado, porque os elétrons são disparados um a um, como partículas.
Mesmo assim, o resultado final é um padrão de interferência característico de ondas. Para entender o que está acontecendo, um detector é adicionado ao experimento, a fim de identificar o comportamento de cada elétron individualmente. O cenário é o mesmo do anterior.
Tudo que mudou é a adição desse detector. Porém, o resultado é surpreendentemente outro. Os elétrons se comportam como partículas novamente.
A moral da história é que o comportamento das partículas é indeterminado até que uma medição seja feita. Ou seja, o dispositivo que observa provoca o colapso da onda a partir do momento em que ele faz uma medição. Como que exigindo que a partícula se decida sobre ser uma onda ou ser uma partícula?
A interpretação de Copenhagen, que é a mais comum e aceita da mecânica quântica, sugere que antes de um elétron ser medido, ele ainda não é nenhuma onda, nem uma partícula, mas uma nuvem de probabilidade. Um estado de superposição que oferece uma probabilidade diferente para cada região da nuvem, indicando onde o elétron pode aparecer depois de ser medido. Mas isso significaria que a realidade não é tão bem comportada como nós pensamos.
Essa interpretação da mecânica quântica é atribuída principalmente a Niels Bohr e Werner Heisenberg. Apesar dos dois nunca terem de fato concordado sobre como formalizar a mecânica quântica. Mas ela também é atribuída a cientistas como Max Born, Ernst Jordan, Wolfgang Pauli e vários outros.
E ela foi elaborada no final dos anos 20. Um dos cientistas contra a interpretação de Copenhagen foi ninguém menos do que Albert Einstein, que assumiu uma posição realista e, segundo anedotas, teria perguntado ao físico historiador neerlandês Abraham Pais, você realmente acredita que a Lua só existe quando nós olhamos para ela? Um dos problemas dessa interpretação para Einstein é que ela não consegue prever com certeza o que vai acontecer em um sistema depois da sua medição.
Ou seja, o chamado realismo de Einstein toma a física como uma teoria determinista, que deve nos oferecer equações capazes de fazer previsões certeiras sobre um dado sistema em qualquer instante do tempo. E é basicamente isso que nós fazemos no exercício de física da escola, quando pedem para calcular quando um carro vai ultrapassar o outro, dada certas velocidades e distâncias. Mas a mecânica quântica é um pouco mais complicada.
E isso não acontece na interpretação de Copenhagen, em que nós temos apenas probabilidades do estado futuro de um sistema, mas é impossível determinar um valor antes da medição. Então, vamos lá, se uma árvore cai na floresta e ninguém está perto para ouvir. Ela faz barulho?
Pela interpretação que eu acabei de falar, nós nunca saberíamos. A árvore só teria feito barulho, ou não, se houvesse algum tipo de detector na floresta? Eu acho fascinante que essa pergunta é aparentemente inofensiva, mas eu espero que eu tenha dado algumas razões para vocês entenderem o porquê não há uma resposta correta ou consensual para ela.
Eu só queria que todo mundo que está assistindo esse vídeo entendesse que existe uma beleza especial em não saber sobre tudo. Muito obrigado e até a próxima!
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