A mulata que nunca chegou | Nátaly Neri | TEDxSaoPauloSalon

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TEDx Talks
A Nataly fala sobre preconceito Nátaly é estudante de Ciências Sociais na Unifesp, em São Paulo, te...
Video Transcript:
[Aplausos] eu sempre fui considerada uma menina feia pelo menos por mim ou pela maioria das pessoas à minha volta meus pais no caso eram os únicos que realmente apreciavam essa beleza singular apesar de de sempre ter tido uma autoestima muito baixa como toda criança negra com essa idade existia um grupo específico de pessoas que me tratava de uma forma diferente com essa ade existia um grupo de pessoas que de fato sabia que eu era uma menina não muito bonita meio desajeitada desengonçada mas que também sabiam que de alguma forma eu me tornaria uma mulher muito
bonita quando eu crescesse esse grupo de pessoas era formado majoritariamente por homens homens mais velhos geralmente primos de segundo grau amigos de primos de segundo grau ou então desconhecidos que quando estavam na rua com meu meu pai atrás de um balcão devolvendo o dinheiro do troco do almoço falavam para ele nossa a sua filha é linda vai dar muito trabalho quando crescer vai ter um monte de gavião e ria 8 9 anos eu tinha eu ficava me perguntando o que faz e o que fez com que homens como aquele atrás do balcão e com que
tantos outros homens enxergassem em uma criança de 8 9 anos alguma possibilidade de beleza como eles entendiam que de alguma forma eu daria trabalho trabalho como eles entendiam que de alguma forma eu teria pretendentes como eles entendiam que uma menina que não se esforçava em nada para ser sensual para ser bonita que não sabia sobre maquiagem que não sabia sobre decote que era só uma criança como eles sabiam que essa criança feia daria trabalho essa foi uma das perguntas que eu sempre fiz ao longo da minha vida porque eu me vejo feia porque as pessoas
me vem feia mas porque existe uma parcela masculina que tem certeza que eu serei bonita de onde sai isso eu comecei a me perguntar e eu passei a deixar de me questionar porque eu era uma pessoa que eu me sentia feia então é melhor era melhor alguém falar Natalie você é feia mas você pode se tornar bonita do que alguém falar Natalie você vai ser sempre feia foi com uns 11 12 anos que eu entendi o que eu era eu entendi que eu era mulata eu entendi que as pessoas me tratavam e me viam como
a mulata e o que era a mulata naquela época naquela época para mim mulata era uma categoria menos pior de negra as pessoas falavam Natal você é feia para caramba nem alisando esse seu cabelo ruim da jeito Sorte sua que você não é tão preta eu ergui as minhas mãos pro céu e falava sorte minha que eu não sou tão preta Deus não me fez Branca me entristeço por isso mas obrigada por ter me feito mulata É um sofrimento a menos com os meus 14 15 anos por aí 13 14 anos eu comecei a entender
o que a mídia o que a sociedade dizia sobre o que era mulata eu comecei a entender que ser mulata não era tão ruim que ser mulata era ser da cor do pecado que ser mulata era ter curvas envolventes sensuais que a mulata me colocava na poesia que a mulata colocava o meu corpo na bossa nova eu não era a mulata mas eu me tornaria a mulata e era expectativa de que meu corpo se desenvolvesse que as curvas aparecessem e eu pudesse enfim ser a mulher que sambava fazia com que eu receb recebesse elogios esses
eram os únicos eu aceitei me chamavam de mulata sabe mulata de mula que é um um híbrido de cavalo e jumenta que foi um termo cunhado no passado Colonial para classificar os filhos feitos dos estupros cometidos pelos Donos das casas grandes nas negras escravizadas e que hoje em dia é um termo racista que caracteriza mulheres negras de pele clara magras porém curvilineas e que com certeza por uma determinação biológica sabem sambar Afinal tá no sangue sabe sambar com 15 com 16 17 anos eu fiquei esperando a mulata ah cadê a mulata falaram a vida inteira
que a mulata ia chegar tô aqui esperando essa mulata tô aqui no ensino médio querendo perder o bebê as pessoas precisam achar que eu sou bonita de alguma forma e o único elogio que eu vi minha vida inteira que só seria bonita no dia que meu corpo se desenvolvesse e eu efetivasse a mulata Então cadê a mulata Eu esperei a mulata E aí a mulata não foi aparecendo a mulata não vinha eu ficava preocupada minhas amigas peitudas bundudas eu ainda reta eu falava Cadê essa bosta dessa mulata que me prometeram a vida inteira Cadê a
Minha autoestima que estaria com ela Cadê o único a única expectativa de amor próprio que eu coloquei dentro de uma bunda e de um peito que me prometeram durante toda a minha vida ela vai ser muito bonita ela vai sambar ela vai rebolar ela vai ter um corpo de dar inveja porque ela é uma mulata e mulata é menos pior Eu esperei a mulata a mulata não apareceu e aqui tá eu hoje meu corpo parou de se desenvolver aos 13 anos com 13 anos eu não cresci mais eu não me desenvolvi fisicamente então com 13
anos eu comecei a entrar em Pânico com 15 anos eu tava desesperada e eu comecei a perceber que de fato a mulata não chegaria e que Eu precisaria compreender e achar outras formas de lidar com o meu corpo com 17 18 anos eu passei a odiar o meu corpo porque a mulata não veio então eu não tinha nada que me salvasse eu não tinha expectativas de melhoras Eu odiava o meu corpo muito Eu odiava quem eu era de uma forma muito profunda a ponto de me bater em noites de crise quando eu tava mal a
ponto de esmurrar os meus próprios seios porque eles não cresceram o tanto que as pessoas diziam que ele deveria ter crescido com 17 18 anos eu passei por um período de odiar o meu corpo odiar o meu corpo magro esse corpo aqui um corpo magro como eu uma adolescente Tão dentro do meu tempo tão fruto da minha época que Lia revistas de femininas que via TV que via novela que sabia que o ideal era o corpo magro como eu consegui odiar o meu corpo magro como eu consegui odiar um corpo que era padronizado como eu
consegui odiar um corpo que era valorizado como eu consegui odiar um corpo que em todos os espaços diziam que era o melhor Eu odiava o meu corpo magro e por seria porque os mecanismos do racismo são muito mais complexos e muito mais profundos do que qualquer padrão de beleza Será que por eu odiei o meu corpo magro porque de alguma forma o fato de ter inferiorizado pessoas por conta de seus traços e de suas origens culturais valesse ao longo da história Valeu mais do que padrões de beleza que se transformam ao longo do tempo será
que é isso será que racismo de fato é uma coisa séria Será que racismo de fato é estrutural não é conjuntura Será que racismo tá na sociedade muito mais profundamente do que a gente compreende Será que a senala ainda não acabou será que a Senzala ainda tá aqui será que a Senzala quando a gente acha um menino negro na rua e se assusta com ele será que é senzala quando menosprezam a pessoa que eu sou será que é sem zala quando vocês se surpreendem ao perceber que nós mulheres negras somos inteligentes será que é sem
zala quando vocês se surpreendem por eu estar aqui falando para vocês Será que é sem zala quando eu me por estar aqui falando para vocês Será que aala não tá em mim será que não tá em vocês Será que a gente superou existem mulheres que a mulata chega e quando a mulata chega o que acontece quando a bunda chega quando o peito chega o que acontece com essas mulheres elas pedem para nunca ter nascido porque elas não suportam a forma como são tratadas porque el Não elas não suportam a forma como são objetificadas o tempo
inteiro em todas as suas relações em todos os seus espaços quando a mulata chega é insuportável porque elas não conseguem andar na rua porque elas não conseguem conversar com pessoas sem sentir o desconforto dos olhares e das piadas direcionadas aos seus corpos quando a mulata chega essas mulheres pedem a Deus Deus porque me fez mulata e eu pedia para Deus Deus porque não me faz mulata Então qual que é a diferença a diferença é que racismo é estrutura e ele vai fazer com que você se odeie com que você odeie seu corpo a sua vida
as suas origens Independentes de quem você seja basta ser negro você pode ser magro você pode ser gordo você pode ser rico você pode ser pobre você pode ser intelectual você pode ser analfabeto a cala tá para todo mundo de maneira talvez mais intensa para uns do que para outros mas a cala tá aqui azala tá nos azala tá quando eu odeio meu corpo quando eu odeio a minha realidade quando eu odeio quem eu sou V responder a um estereótipo de beleza dessa sociedade escravocrata atual se o racismo não mata na entrada ele faz com
que você queira morrer na saída se o racismo destrói de maneira clara e descarada a negra de pele de pele retinta preta escura o racismo Fala meu nome com em forma de amor ele fala mulata bonita sensual e depois me esfaqueia pela as costas parafraseando Augusto dos Anjos o racismo escarra na minha boca enquanto Me beija a gente não precisa de Senhor de Engenho a gente não precisa de chibatada Brutal em nossos corpos porque ass sensal ainda é aqui nas nossas mentes de maneira virtual não corpórea enquanto a gente ainda tiver pessoas negras que se
sentem sub julgadas por serem quem são enquanto nós tivermos pessoas negras que não se sentem pertencentes não se sentem valorosas por serem quem são enquanto não enquanto eu ainda odiar um corpo que nunca me fez nada porque a sociedade diz que eu devo odiar enquanto eu achar que a única coisa que me valoriza é um ideal racista imposto sobre mim quando meu corpo ainda nem havia se desenvolvido enquanto isso acontecer a senzal ainda é aqui aal ainda é agora e a Shibata mesmo que de maneira muito silenciosa Continua assoit as nossas mentes obrigada [Aplausos] C
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