Desde o dia que botei os pés nesse prédio percebi que a vida aqui ia ser diferente não era lá grande coisa mas já tava acostumada com o que a vida oferecia minha mãe sempre dizia que a gente tinha que se contentar com o que vinha né Que sorte não era coisa de pobre mas de rico que nasceu virado pra lua eu nunca fui de reclamar muito mas também nunca aceitei as coisas assim de mão beijada correr atrás sempre foi minha meta e com isso na cabeça eu vim para cá nesse predinho velho de Santa Teresa
tentando começar de novo meu apartamento era o 302 não era grande Mas dava pro gasto aquele cheiro de mofo na parede não me incomodava tanto porque eu já vinha de uma situação bem pior a vizinhança até que era tranquila sem Muita confusão Eu passava pelas pessoas no corredor e ninguém falava nada só um ou outro Bom dia Meio abafado beleza né Melhor Assim menos encheção de saco Foi numa dessas manhãs de rotina que eu vi ele pela primeira vez eu tava indo pro trampo mochila nas costas chinelo batendo no chão e o o cara saiu
do apartamento do lado ele tava de cara amarrada Mas dava para ver que não era desses que bota banca todo quietinho meio sem jeito baixou a cabeça assim que me viu coitado Parecia um moleque era grandão mas andava como se fosse pequenininho sabe sempre encolhido Como se quisesse desaparecer fiquei encucada o cara era meu vizinho E desde que eu tinha mudado nunca tinha visto ele por aí E olha que eu tava sempre de olho Minha Curiosidade bateu forte não vou mentir passei a reparar mais nele como quem não quer nada ele saía e voltava sempre
nos mesmos horários bem previsível Parecia até que estava fugindo de viver sempre metido no próprio mundinho não era feio sabe na verdade tinha até um charme escondido ali mas era desses que não se enxerga vivia com uma roupa meio folgada cabelo sem cortar barba por fazer um caso perdido pensei passou um tempo e a gente só trocava aquele aceno tímido sem papo nem nada mas eu esperta percebi o jeito que ele olhava de rabo de olho quando passava por mim era como se quisesse falar alguma coisa mas não tinha coragem achei até engraçado no começo
Mas depois foi ficando interessante comecei a me perguntar o que tinha por trás daquele silêncio todo já convivi com um homem calado mas o jeito dele era diferente não era arrogância ou desinteresse era outra coisa ele tinha um ar de quem vivia preso sabe preso em si mesmo num dia chuvoso daquele que o rio vira um caos eu tava no elevador pronta para pro trabalho quando a porta abre e ele entra olhei pro lado e lá tava ele todo encharcado com cara de perdido mexendo no celular ele não falou nada só entrou e ficou lá
quieto eu que não sou de perder oportunidade resolvi puxar um papo né E aí vizinho tá difícil a vida lá fora o trânsito deve est daquele jeito Hein o pessoal aqui do prédio adora reclamar quando chove fica todo mundo preso ele levantou os olhos meio surpreso que eu falei com ele demorou uns segundos para responder meio sem jeito coçando a nuca é Tá complicado mesmo chuva no Rio sempre dá problema né a voz dele era baixa mas firme não parecia que ele estava acostumado a conversar muito mas pelo menos não fugiu da conversa e eu
que já estava acostumada com essa timidez dos outros resolvi continuar pois é mas a gente tem que se virar Eu trabalho lá no centro tenho que pegar o metrô Quando chove já sei que vai ser um inferno ele deu um sorrisinho de canto como se entendesse a minha luta não era daqueles caras que sorri fácil mas quando sorria dava para ver que tinha um pouco de luz ali escondida debaixo de tanta sombra o elevador chegou no térreo e a gente saiu junto Achei que ele ia seguir o caminho dele mas aí ele meio que hesitou
como se quisesse falar mais alguma coisa Você trabalha com o quê aquela pergunta me Pegou de surpresa porque nunca achei que ele ia querer continuar o papo era primeiro a primeira vez que ele demonstrava interesse em saber mais sobre mim sorri de leve já preparando uma resposta trabalho numa loja de roupas no centro nada demais mas dá para pagar as contas né E você faz o quê sou programador trabalho de casa a maior parte do tempo Ah então tá explicado porque nunca te vejo por aí você fica mais trancado né e gosto de ficar na
minha aquela frase ficou no ar gosto de ficar na minha parecia dizer muito mais do que ele deixava transparecer eu não insisti deixei a conversa morrer ali mesmo mas o dia seguiu diferente com ele na cabeça alguma coisa nele mexeu comigo de um jeito que eu não esperava a partir desse dia parece que algo mudou entre a gente não era como se ele tivesse se soltado de vez Mas comecei a notar que ele fazia questão de me cumprimentar era sempre tímido mas já era um progresso e eu que já tava intrigada decidi que ia Puxar
esse fio até descobrir o que tinha no final mais uma semana se passaram e no fim de tarde depois do trabalho eu tava na portaria Esperando a chuva passar o p já tinha puxado o papo como sempre falando mal do tempo quando vejo ele entrando de novo todo molhado sem guarda-chuva aí vizinho você vai acabar pegando um resfriado desse jeito ele parou olhou para mim e deu aquele sorriso tímido que eu já estava começando a gostar de ver é esqueci de pegar o guarda-chuva de novo quer subir comigo a gente toma um café lá em
casa até essa chuva passar melhor que ficar aqui na portaria né eu falei num tom descontraído como quem não estava esperando nada mas por dentro já tava curiosa para ver o que ele ia fazer Ele hesitou olhou pra porta como se estivesse pensando numa desculpa para recusar mas para minha surpresa ele aceitou tá pode ser Subimos juntos e o silêncio no elevador era mais confortável do que o normal parecia que a presença um do outro já não causava mais aquela estranheza quando chegamos no meu andar abri a porta e o convidei para entrar fica à
vontade vou fazer um café rapidinho Ele entrou meio sem jeito olhando ao redor como se nunca tivesse entrado num apartamento de verdade o meu não era nada demais mas pelo menos estava arrumado né fui pra cozinha preparar o café e enquanto a água fervia pensei no que tava acontecendo algo dentro de mim já sabia que aquele momento era um divisor de águas era como se a curiosidade que eu sentia por ele fosse mais do que só isso era uma vontade de entender de descobrir o que ele escondia voltei com duas canecas de café e entreguei
uma para ele sentei no sofá e o convidei a fazer o mesmo ele estava desconfortável mas não recusou ficamos em silêncio por alguns minutos só tomando o café enquanto a chuva batia na janela sabe eu nunca fui muito bom em conversar ele soltou essa do nada me pegando desprevenida eu percebi mas tá tudo bem às vezes falar demais também atrapalha ele sorriu aquele sorriso tímido que já tava se tornando familiar a conversa seguiu devagar como se a cada palavra ele estivesse testando as águas aos poucos ele começou a falar mais me contando sobre o trabalho
sobre como não tinha muitos amigos como gostava de ficar sozinho enquanto ele falava fui percebendo que o silêncio dele não era por arrogância ou por falta de interesse era só medo insegurança como se ele estivesse se protegendo do mundo eu entendia aquilo de certa forma já tinha passado por tanta coisa na vida já tinha me fechado tantas vezes que sabia bem como era o papo rolou até tarde e quando percebi já tava escuro lá fora Ele olhou o relógio meio sem jeito e disse que já tava na hora de ir Valeu pelo café foi bom
conversar ele se levantou ainda com aquele jeito desajeitado acompanhei ele até à porta mas antes de sair ele parou e me olhou com uma expressão que eu ainda não tinha visto antes era como se ele quisesse dizer algo mas não sabia como E então sem aviso ele me beijou foi rápido quase como se ele tivesse se arrependido no meio do caminho mas foi o suficiente para fazer meu coração disparar ele recuou logo em seguida envergonhado sem saber onde enfiar a cara desculpa eu eu não devia ter feito isso eu sorri não foi um beijo que
eu esperava mas também não era algo que eu queria impedir tá tudo bem Paulo Não precisa pedir desculpa não ele Balançou a cabeça ainda desconcertado e saiu deixando a porta se fechar devagar atrás dele eu fiquei ali parada tentando processar o que tinha acabado de acontecer não era o beijo que mexeu comigo era o fato de que por um segundo eu vi algo diferente ele algo que eu sabia que de alguma forma tinha começado a mudar desde o momento que eu decidi falar com ele naquele elevador naquela noite depois do beijo minha cabeça ficou a
mil eu que sempre fui de botar tudo na mesa não sabia o que pensar Paulo aquele vizinho que mal falava e andava pelos cantos como se o mundo não fosse para ele tinha me beijado e o pior foi tão rápido mas mexeu comigo de um jeito que eu não esperava Passei a noite tentando entender o que aquilo queria dizer será que ele gostava de mim ou foi só um impulso e eu o que eu queria de verdade com ele no dia seguinte a vida seguiu normal mas o beijo ainda tava ali latejando na minha cabeça
no trabalho a Janaína minha colega logo percebeu que eu tava no mundo da lua mulher sempre saca né ela Cutucou e mandou logo aquela risadinha maliciosa já achando que tinha treta no ar não consegui segurar e acabei contando tudo desde o jeito tímido do Paulo até o beijo inesperado Claro que ela caiu na gargalhada e começou a me zoar ih Carol você tá apaixonada tá na cara amiga e se o cara todo tímido tomou coragem para te beijar vai por mim tá na tua eu ri e disse que não era nada disso mas lá no
fundo a ideia não parecia tão absurda Paulo era diferente de tudo que eu conhecia e por algum motivo isso mexia comigo eu sabia que por trás daquele jeito quieto tinha mais coisa talvez fosse isso que me deixava intrigada quando voltei para casa confesso que esperei encontrar ele no corredor mas nada o apartamento dele Parecia um túmulo entrei no meu larguei as coisas e me joguei no sofá fiquei pensando se ele ia me procurar pedir desculpas de novo ou sei lá Fingi que nada tinha acontecido eu queria entender o que ele sentia porque de um jeito
ou de outro aquilo não ia sair da minha cabeça até a gente resolver no dia seguinte a mesma coisa cruzei com a porta do 301 mas silêncio total Paulo tava sumido Será que ele tava com vergonha ou pior Será que eu tinha assustado ele o negócio é que eu não sou mulher de ficar esperando Se ele não vinha eu ia atrás naquela noite bati na porta dele esperei um tempo e nada bati de novo mais forte aí ouvi os passos do outro lado e a porta abriu devagar ele tava com a mesma cara de quem
foi pego de surpresa sem jeito mas não fugiu Oi Paulo a gente precisa conversar entrei e pela primeira vez reparei de verdade no apartamento dele tudo muito simples quase sem personalidade era como se ele tiesse acabado de se mudar mas eu sabia que não ele só não era de ficar decorando as coisas parecia viver o mínimo possível ali sentei no sofá e ele ficou em pé por um momento como se não soubesse o que fazer Paulo olha só sobre o beijo eu não vou fingir que não aconteceu eu quero entender o que você quer o
que passou pela sua cabeça ele suspirou e sentou ao meu lado mas ainda evitando me encarar de verdade ele coçou a nuca e finalmente soltou Carol eu nunca fiz isso antes eu nunca tive coragem de falar com ninguém assim eu não sei nem o que eu tô sentindo direito para ser sincero só sei que com você eu me sinto diferente mas vivo mas eu não sei como lidar com isso eu fiquei olhando para ele sem saber o que dizer na hora aquilo fazia sentido sabe Paulo sempre foi reservado sempre mantinha distância mas eu achava que
era só o jeito dele agora tudo se encaixava ele não tinha muita experiência com nada disso E o que ele sentia por mim era novidade para ele isso explicava tanta coisa eu respirei fundo e falei calma tentando não assustar ele mais ainda Paulo olha só eu também tô tentando entender o que eu quero eu gosto de você mas a gente precisa ir com calma não quero que isso vire uma confusão entende vamos no nosso tempo sem pressa ele assentiu claramente aliviado por eu não ter reagido mal ao que ele disse E aí naquele momento alguma
coisa mudou parecia que a barreira entre a gente tinha caído de vez o Paulo estava se abrindo e eu aos poucos começava a entender que ele precisava de tempo e eu estava disposta a dar os dias seguintes foram diferentes ele começou a aparecer mais passava no meu apartamento pra gente ver um filme tomar um café essas coisas simples ele ainda era tímido mas agora parecia que estava mais confortável comigo e eu bom eu gostava da companhia dele tinha algo ali que me puxava cada vez mais uma noite a gente estava no sofá assistindo a um
filme não era nada especial só um filme qualquer para passar o tempo eu tava deitada com a cabeça encostada no ombro dele e o silêncio entre a gente já não era estranho tava confortável sabe só que de repente senti ele mexer como se quisesse dizer alguma coisa olhei para ele e vi que ele tava com a cara de quem tava pensando demais Carol eu eu acho que tô pronto para tentar de verdade eu ainda tô com medo mas eu quero eu sorri meio surpresa pela firmeza na voz dele aquele Paulo que mal conseguia falar comigo
no começo agora tava tomando à frente dizendo o que queria e para ser sincera Aquilo me deu um calor bom no peito não era mais só uma coisa de curiosidade eu realmente tava gostando dele eu também tô pronta Paulo mas a gente vai no nosso tempo certo sem pressão ele concordou com a cabeça e eu pude ver nos olhos dele que dessa vez ele tava seguro e foi ali que as coisas entre a gente começaram a mudar de verdade mais tarde naquela mesma noite depois de desligar a TV o clima estava diferente a gente ficou
ali no sofá meio que em silêncio só que não era mais o silêncio nervoso de antes era um silêncio cheio de expectativa de algo que a gente sabia que ia acontecer mas que ninguém apressava Paulo me olhou dessa vez sem desviar o olhar e eu vi a coragem que ele tinha falado antes ele se inclinou devagar e me beijou mas não foi aquele beijo rápido e inseguro da outra vez foi um beijo mais profundo mais presente eu correspondi e a coisa foi esquentando aos poucos aquele calor que vinha crescendo entre a gente nas últimas semanas
finalmente explodiu mas de um jeito natural sem ninguém forçar nada quando percebi a gente estava mais próximo do que nunca ele estava sendo cuidadoso atento a cada reação minha Como se quisesse ter certeza de que eu tava confortável e eu tava eu queria aquilo tanto quanto ele era como se finalmente a gente tivesse se encontrado no meio do caminho as coisas foram acontecendo no ritmo certo sem pressa a intimidade foi crescendo mas de um jeito calmo como se a gente estivesse se descobrindo aos poucos Paulo que no começo parecia tão inseguro agora tava mais confiante
mas sempre respeitando o espaço e o tempo de tudo naquela noite depois de tudo a gente ficou deitado sem dizer muito só o barulho da respiração dele ao meu lado já era suficiente Eu sabia que aquele momento tinha mudado algo entre a gente mas de um jeito bom não era só físico era a conexão que a gente tinha construído durante todo esse tempo quando ele me olhou de novo eu vi nos olhos dele que ele também sabia tinha sido mais do que só um momento era o começo de algo real a partir daquela noite as
coisas entre a gente mudaram de vez o Paulo que antes era todo retraído começou a se soltar mais a falar mais sobre ele sobre a vida sobre os medos que ainda tinha e eu eu tava lá do lado dele pronta para viver o que viesse