No dia 27 de dezembro de 1984, um grupo de caçadores de meteoritos dos Estados Unidos estava vasculhando uma região da Antártida conhecida como Alan Hills. Buscar por meteoritos na Antártica é uma prática comum, e cerca de dois terços de todos os meteoritos recuperados no planeta Terra vieram de lá. O ambiente congelado deixa fácil de visualizar meteoritos.
O contraste entre eles e o branco do gelo é muito gritante. Mas nessa expedição, um meteorito se provou único. Catalogado como ALH 84001, esse meteorito cinza esverdeado chamou a atenção dos pesquisadores pelas suas características.
Mas não demoraria muito tempo para descobrirem outras características que fariam do ALH 84001 um dos meteoritos mais importantes e controversos da história. A sua composição química não deixou dúvidas de que ele era, na verdade, um pedaço de Marte. Mas ainda mais do que isso, a sua idade era extremamente alta comparado com todos os outros meteoritos de Marte já encontrados.
O ALH 84001 tinha aproximadamente 4 bilhões de anos de idade. Ele é até hoje considerado o meteorito mais velho de Marte já encontrado. Essa idade é especial porque nós temos fortes evidências de que Marte já teve água líquida e oceanos um dia.
E o meteorito é velho o suficiente para ter se formado enquanto a água líquida corria na superfície marciana. Mas as coisas ficariam ainda mais estranhas. Ou melhor, divertidas.
Dentro do meteorito, diversas estruturas que lembram micro-organismos foram encontradas. As estruturas, que foram chamadas de microfósseis, lembravam muito bactérias encontradas aqui na Terra, tanto em tamanho quanto em formato. Algumas possuíam entre 100 e 200 nanômetros de tamanho, que é bem parecido com os limites para a bactéria mais comum aqui na Terra, a Pelagibacter ubique Outras estruturas eram bem menores do que isso, parecendo lembrar as nossas hipóteses sobre os primeiros seres vivos da Terra, feitos de RNA.
O anúncio da suposta descoberta de vidências de vida extraterrestre chocou a comunidade científica. Ele foi recebido com muita controvérsia. O presidente dos Estados Unidos na época, Bill Clinton, chegou a fazer um anúncio na televisão que você pode ler aqui.
Mas hoje, décadas depois da descoberta do meteorito e do anúncio, a questão está longe de ser resolvida. As estruturas encontradas nele poderiam ser explicadas por processos abiogênicos, ou seja, que não envolvem a presença de organismos vivos. Ainda assim, as estruturas que parecem microfósseis no meteorito ajudaram a impulsionar uma das ideias mais ousadas da ciência.
E se a vida na terra não começou na terra? Desde o começo dos nossos registros históricos, seres humanos tentam descobrir de onde nós viemos. Para o filósofo grego Anaxágoras, as sementes da vida estavam presentes em todos os lugares do universo.
Ele foi o criador do termo panspermia e é dele o primeiro registro de alguém sugerindo que a vida existe em quase todo lugar do universo e pode ser transportada e semeada. Mas alguns milênios tiveram que se passar até a ideia tomar forma científica. Diversos cientistas tiveram a sua parte na construção dessa ideia, mas a primeira sugestão da panspermia como uma hipótese científica só veio em 1903 com Svante Arrhenius, que inclusive foi o ganhador do prêmio Nobel de Química do mesmo ano.
Para Arrhenius, esporos microscópicos poderiam viajar pelo espaço sendo empurrados pela pressão de radiação da nossa estrela, o Sol. O problema dessa ideia é que a eficiência desse empurrão solar diminui conforme a distância aumenta. Então esse mecanismo só poderia funcionar para organismos muito pequenos, como esporos de bactérias.
E outro problema, que na época era desconhecido para o Arrhenius, são os efeitos da radiação em seres vivos. É muito difícil imaginar micro-organismos sobrevivendo a centenas de anos de viagens espaciais sob constante efeito da radiação. Então por muito tempo a ideia da panspermia ficou de escanteio na comunidade científica.
Mas atualmente nós temos evidências de que ela pode ser um mecanismo válido para a propagação da vida no universo. Muita coisa mudou desde a ideia de Anaxágoras e Arrhenius. A hipótese da panspermia moderna depende de três estágios, cada um com as suas particularidades.
E nós vamos investigar nesse vídeo cada um deles. Só antes, e eu juro que isso vai ser muito rápido, essa camiseta que eu estou usando faz parte da nova coleção da minha loja, a Loos. Se você quer vestir camisetas com estampa de coisa que você gosta e com qualidade, vamos fazer um trato.
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O primeiro desafio no caminho da panspermia é conseguir tirar organismos vivos do planeta, que nesse contexto é chamado de planeta doador. Hoje em dia isso até pode parecer fácil, principalmente porque nós temos foguetes e robôs que pousam em outros planetas, então não parece impossível que, acidentalmente, a gente transporte vida para outro lugar. Esse caso, em que uma civilização, não importa se de maneira acidental ou não, leva vida até outros corpos celestes, é chamado de panspermia direcionada.
E é um cenário que provavelmente será uma consequência da nossa própria exploração espacial se nós não tomarmos muito cuidado. Mas o que nós realmente queremos entender é a validez da panspermia como meio de transporte de vida, independente de civilizações inteligentes existirem ou não. E para isso, nós temos algumas evidências.
Diversos experimentos feitos nos últimos anos têm mostrado que micro-organismos simples como bactérias podem ser encontrados em altitudes inesperadas, como acima de 20 km. Micropartículas terrestres são encontradas até no lado de fora da Estação Espacial Internacional, que orbita a Terra a 400 km de altura. Mas até hoje, nenhum micro-organismo foi detectado nessa altitude.
E isso nos leva a um dos possíveis mecanismos de escape do planeta que a vida poderia usar sem querer, impactos de meteoritos. Essa ideia é chamada de Litopanspermia, e por enquanto é uma das que nós melhor podemos estudar. A ideia é que impactos e colisões são um ótimo meio de transportar matéria entre corpos celestes.
O ALH 84001, por exemplo, era uma parte do solo marciano, até que há cerca de 17 milhões de anos, um meteorito colidiu com Marte e ejetou o ALH 84001 para o espaço. Ele então começou uma jornada de milhões de anos no espaço, até parar na Terra há cerca de 13 mil anos. E você pode se perguntar, como é que qualquer coisa sobreviveria a um impacto com um meteorito?
De fato, a maior parte do material do meteorito que colide e também da zona impactada é vaporizado. Mas é na região ao redor da colisão principal que o ouro se esconde. Ou melhor, a chance de a vida pegar uma carona sem querer.
Mas não podemos nos esquecer que micro-organismos são sensíveis à temperatura. E se tem uma coisa que é bastante elevada durante uma colisão de meteorito, é justamente a temperatura. Mas atualmente nós sabemos que uma porção do solo e rochas ao redor da zona de impacto principal consegue ser ejetada para o espaço sem superaquecer.
E mais, mantendo a temperaturas que possibilitariam que micro-organismos fossem levados juntos ainda vivos, abrigados dentro dessas porções de rocha. Nós nunca encontramos evidências que, sem sombra de dúvidas, fossem de micro-organismos vivos dentro de meteoritos. Mas já encontramos diversas estruturas químicas muito frágeis que sobreviveram ao processo de serem ejetadas do planeta para o espaço através de uma colisão.
Mesmo assim, esse é apenas o primeiro estágio de um processo que depende de muitos fatores. O que nos leva ao próximo passo, sobreviver ao trânsito. Diversos estudos já foram feitos no espaço para avaliar a sobrevivência de micro-organismos.
O primeiro deles, feito durante a missão Gemini-IX-A, expôs alguns esporos de fungos, como o Penicillium, por três minutos a uma altitude de 150 quilômetros. Todos morreram devido à exposição à radiação ultravioleta. Mas, surpreendentemente, quando abrigados à radiação ultravioleta, usando argila ou um pó que imitava a composição de meteoritos, esporos da bactéria B.
subtilis sobreviveram por até seis anos. O principal fator que parece determinar a sobrevivência ou não de um microrganismo no espaço é a radiação ultravioleta. É por essa razão que hoje em dia a panspermia pensada por Arrhenius em 1903, em que micro-organismos livres seriam assoprados pelo espaço pela pressão de radiação no Sol, se mostra cada vez menos provável.
Mas o que parece ser o fim de uma hipótese, na verdade é o começo de outra. Porque agora nós sabemos que é plausível a ideia de que a vida pode sobreviver dentro de meteoritos, desde que abrigada da radiação. Ou seja, ponto para a litopanspermia.
O problema é que um meteorito viajando ao acaso no sistema solar pode demorar milhares de anos até chegar em outro corpo celeste. E a sobrevivência nessa escala de tempo é uma incógnita. Aqui na Terra nós sabemos a existência de micro-organismos que sobreviveram em estados de suspensão dentro de cristais de sal, na escala de centenas de milhões de anos.
Talvez a sobrevivência nessas escalas de tempo dentro de meteoritos grandes o suficiente para blindar a radiação cósmica seja possível. Só que mesmo sobrevivendo a viagem, nós temos mais um problema. Um meteorito que conseguiu velocidade o suficiente para escapar da atração gravitacional de um planeta é basicamente um míssel cósmico.
Se ele for em direção a um planeta com uma atmosfera relativamente grossa, como Vênus, Terra ou até Marte, é possível que a atmosfera ajude no processo de frenagem. Caso contrário, se ele for em direção a uma das luas de Júpiter que não tem atmosfera, por exemplo, a velocidade de impacto seria grande demais para qualquer coisa sobreviver dentro do meteorito. E isso nos leva ao terceiro, último e surpreendentemente mais bem estudado estágio da Panspermia, a aterrissagem.
O impacto final é a parte que nós mais entendemos atualmente porque nós podemos estudá-la com os mais de 50 mil meteoritos já encontrados na superfície do nosso planeta. Quando um meteorito entra na atmosfera de um planeta, a sua superfície e o ar ao redor são aquecidos. Essa é aquela trilha de fogo e fumaça que eles deixam para trás.
Mas é importante lembrar que o processo inteiro de entrada na atmosfera terrestre dura apenas alguns segundos. O que nós sabemos é que, dependendo do tamanho do meteorito, as partes mais externas dele podem servir como uma espécie de escudo de calor, abrigando quem estiver na parte de dentro. O ALH 84001, por exemplo, teve só 3 milímetros da sua superfície fundidos durante o processo de reentrada.
Inclusive, estudos e modelos computacionais mostram que é extremamente provável que o ALH 84001 jamais tenha atingido temperaturas acima de 40 graus Celsius durante a sua existência. Esporos de bactérias conseguem sobreviver a essas temperaturas e esse é um dado incrível a favor da litopanspermia. Em um artigo publicado em 2005, esporos da bactéria Bacillus subtilis foram colocados dentro de blocos de granito, que então foram lançados com foguete até uma tigre em alturas de 120 quilômetros.
E durante a reentrada na atmosfera terrestre, os esporos que estavam no lado da frente do granito não sobreviveram às altas temperaturas, mas os que estavam no lado conseguiram sobreviver. E você ainda pode estar se perguntando, mas e o impacto final? Nem todo meteorito colide com o chão da Terra gerando uma cratera enorme e um impacto colossal.
A maioria dos meteoritos são pequenas, e para esses tamanhos eles geralmente chegam no chão com velocidade terminal, que não é alto o suficiente nem para formar uma cratera. Resumindo, se é possível que organismos sobrevivam ao processo de entrada atmosférica, eles também provavelmente conseguem sobreviver ao impacto final com o chão. Mas como sempre na ciência, a cautela é uma excelente aliada.
A ideia da panspermia mudou muito ao longo dos anos, e ela ainda não é amplamente aceita pela comunidade científica. Por um lado, cada vez mais nós descobrimos evidências de que a vida talvez possa ir de carona para outros corpos celestes. Mas por outro, até hoje nós não encontramos provas definitivas de que isso tenha acontecido na história do sistema solar ou do nosso próprio planeta.
A chave da questão aqui é que possibilidade não significa realidade. Mesmo que seja possível transportar micro-organismos de um planeta para o outro, isso não quer dizer que isso tenha acontecido. E a panspermia também não resolve o problema de como a vida surgiu.
Ela só joga o problema para outro corpo celeste. Nas últimas décadas, uma ideia parecida com a panspermia começou a juntar quantidades significativas de evidências. E ela ficou conhecida como pseudopanspermia.
Mas hoje sabemos que diversas moléculas orgânicas essenciais para a vida podem se formar no espaço, longe da superfície de planetas. Algumas até se formam antes da própria estrela. Nós já encontramos todas as bases nitrogenadas que formam o DNA e o RNA em amostras de meteoritos com bilhões de anos de idade.
E a Terra, durante um período que aconteceu há 4 bilhões de anos e ficou conhecido como o intenso bombardeamento tardio, experienciou impactos de meteoritos e cometas constantemente. Na verdade, todos os planetas internos do Sistema Solar sofreram com isso, incluindo Marte. Talvez a vida não tenha chovido na Terra vinda do espaço, e sim as moléculas precursoras para a vida, que quando encontraram um ambiente propício na Terra deram início à evolução.
A única certeza que nós temos é que a abiogênese, que é o surgimento da vida a partir de matéria não viva, não acontece mais hoje em dia. E nós não sabemos porquê. Diversos experimentos feitos aqui na Terra conseguiram reproduzir estágios da biogênese, mas nunca a criação da vida propriamente dita.
Mesmo se a hipótese da panspermia um dia for comprovada, o problema do surgimento da vida só vai ser jogado para outro planeta. A questão de como a vida surgiu vai continuar aberta. Ainda assim, estudar para escrever esse roteiro me preencheu com fascínio que fazia tempo que eu não sentia.
Imaginar a mera e remota possibilidade de que existam meteoritos hoje viajando pelo espaço, semeados com micro-organismos, apenas esperando a hora de chegarem em outro corpo celeste para dar início ao longo e tortuoso processo de evolução. É bem possível que nas próximas décadas, com as missões tripuladas para outros planetas, Marte principalmente, nós finalmente vamos conseguir responder a pergunta que tira o sono de muitos seres humanos. Nós estamos sozinhos no universo ou será que pelo menos já tivemos companhia, mesmo que em outro planeta do sistema solar?
Eu gostaria muito de saber a opinião de vocês aqui nos comentários. Muito obrigado e até a próxima!